ENTREVISTA COM CÍCERO MARTINHA E ADILSON SAPÃO

Notícias Sindicais

Nesta edição especial, O Metalúrgico conversou com o presidente eleito do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá, Adilson Sapão e o atual presidente, Cícero Martinha, que será o vice na próxima composição da nova diretoria que toma posse neste sábado, 24, às 10h, na sede de Santo André. No bate-papo, eles falam dos desafios atuais e futuros do Sindicato, a expectativa com o governo Lula, as conquistas dos trabalhadores da categoria, fortalecimento da negociação coletiva e muito mais.

Foto: Jonas Mattos

Após anos resistindo à falta de diálogo com governos anteriores, o movimento sindical volta à cena política e econômica do país com o governo Lula, tendo espaço nas discussões sobre os rumos do Brasil. O que você, Martinha, pensa sobre esse momento e como os sindicatos podem contribuir para a qualidade das agendas da classe trabalhadora?

Martinha: Num governo democrático é necessário que todos os setores da sociedade participem da ideia de governar o país. O governo não pode ser só de uma parcela da sociedade. Ele tem que estar preocupado com os trabalhadores, empresários, investidores, setor agrário, meio ambiente, com toda a cadeia produtiva. É preciso pensar no conjunto e não numa parte.

Nos últimos tempos tivemos governos fechados e antidemocráticos. Agora renascemos com um governo como o Lula, que dialoga e pensa no Brasil como um todo.

Em outros momentos da história, o movimento sindical teve participação importante em inúmeras conquistas e transformações sociais por meio de lutas, com suas reivindicações, greves, mobilizações, sempre nos fundamentos da democracia. A participação do sindicalismo combativo é fundamental, levamos as nossas demandas e não só reivindicamos, apresentamos propostas de governo. O movimento sindical amadureceu suficientemente para entender o que precisa ser feito no país. Do outro lado, os empresários também têm as suas especialidades e importância, por isso o diálogo é fundamental.

Os últimos seis anos, Sapão, foram marcados por fortes ataques ao movimento sindical e aos direitos dos trabalhadores. Como esse cenário impactou a atuação do Sindicato em Santo André e Mauá e como ele sobreviveu?

Sapão: Nesses seis anos de desgovernos, dois do Temer e quatro do Bolsonaro, a classe trabalhadora sofreu muitas perdas de direitos.

Em nenhum momento da história, depois da criação da CLT, em 1943, os trabalhadores perderam tantos direitos como nesse período, principalmente com a reforma Trabalhista e a terceirização no governo Temer. Aliás, os defensores dessas aberrações falavam que com essas mudanças seriam criados milhões de empregos. Cadê? Você não gera emprego tirando direito dos trabalhadores, diminuindo o poder de compra das pessoas. Você gera emprego com o trabalhador ganhando bem, podendo consumir no comércio e a indústria produzindo.

E o nosso grande desafio, como movimento sindical que agora tem espaço dentro do governo democrático do presidente Lula, é a retomada dos empregos de qualidade na nossa categoria. Bolsonaro foi um governo unilateral, deixou o setor industrial de lado, só pensou no agronegócio. Aliás, investiu forte no agro e ainda deixou mais de 33 milhões de pessoas passando fome. Tudo que o agro produzia, praticamente exportava e sobrava muito pouco.

Foto: Jonas Mattos

Dia 24 de junho será mais uma data importante para o Sindicato, com a posse da nova diretoria, na qual teremos o hoje vice-presidente, Sapão, assumindo a presidência e o atual presidente, Martinha, assumindo a vice-presidência, como é que vocês avaliam essa transição?

Martinha: Nós estamos atravessando um momento difícil, pois perdemos muitos postos de trabalho e o governo anterior contribuiu para isso. Mas agora temos a esperança com os novos rumos que o Brasil vem tomando. Acredito que vamos discutir mais a região do ABC, com indústrias mais especializadas e qualidade de trabalho.

O Brasil é do tamanho de um continente, tem de[1]mandas em todos os cantos, mas nós sabemos que a nossa região é um ponto estratégico. É possível melhorar as condições da região.

E sobre a nossa categoria, com o Sapão, temos a certeza que ele vai assumir um Sindicato que vai crescer ainda mais e desenvolver o papel que cumpriu até agora na defesa dos trabalhadores. O Sapão reúne muitas qualidades, tem experiência, juventude suficiente e sabe liderar. Já está na diretoria há muito tempo, sempre com uma lealdade extraordinária.

Termino a minha presidência satisfeito e feliz da vida. Se tivesse que voltar no tempo, faria tudo que fiz por esse Sindicato e pelas lutas e conquistas da categoria. Como vice-presidente, terei mais tempo para me dedicar a política na região, na busca em unir as forças progressistas, de esquerda e centro esquerda que visam os avanços sociais da população.

Sapão: Eu penso dentro dessa conjuntura em três momentos: passado, presente e futuro. O nosso Sindicato completa 90 anos. Se hoje estamos aqui é porque pessoas trouxeram essa entidade até aqui. E eu tenho a responsabilidade de dar sequência a essa trajetória de conquistas e defesa da categoria. Já em relação ao Brasil, temos o desafio da guerra fiscal. Hoje, empresas deixam a região por causa de altos benefícios que são dados para que saiam daqui. Alguns estados praticamente pagam para que isso aconteça. A questão não é que a região do ABC tem que ser soberana, a industrialização tem que estar em todas as regiões do Brasil, onde tenha uma forma de competitividade dentro das mesmas condições, isso é um dos desafios que vamos enfrentar nessa visão de futuro.

Martinha, ao final deste seu mandato, qual legado gostaria que fosse lembrado pela sua presidência?

Martinha: A luta pela redução da jornada de trabalho foi incrível. Nas décadas de 60, 70 e 80 se o trabalhador chegasse um minuto atrasado na fábrica e batesse cartão, perdia meia hora do salário, o domingo e se tivesse um feriado na semana perdia também. Aí conquistamos uma redução de 48 horas para 44 horas, 43, 42 horas. A campanha nossa era para ter mais tempo para o lazer, para estudar. Nós metalúrgicos, na greve de 1985, conseguimos dar esse primeiro passo e em 1988 a Constituição regulamentou 44 horas semanais. Aqui na nossa região, conseguimos outras conquistas, transporte coletivo, fretamento na maioria das empresas, sem falar na nossa participação na criação da PLR.

Foto: Jonas Mattos

Qual é a opinião do Sapão sobre o debate do fortalecimento da negociação coletiva na atualização do modelo sindical?

Sapão: O movimento sindical necessita dessa reformulação. Há casos de sindicatos que têm mandatos de 20 anos. O imposto sindical ajudava os sindicatos? Sim! Mas também financiava os sindicatos que muitas vezes não faziam nada pelo trabalhador. Por isso, somos contrários ao imposto. Mas dentro do processo coletivo, o sindicato não negocia só pelo seu associado, negocia pela sua categoria, isto está na Constituição. Então, o que nós entendemos é que para o Sindicato ser fortalecido tem que ter o seu associado e, logicamente, dentro do acordo coletivo, a partir do momento que o sindicato vai lá e negocia e conquista acordo, que todos contribuam.

Também é importante frisar para os mais jovens que estão chegando agora na indústria e não sabem que a PLR, transporte, cesta básica, foram conquistas do Sindicato. A lei não obriga a empresa a pagar PLR , obriga a ter a negociação com o Sindicato. Na Campanha Salarial não existe aumento automático, a lei diz que tem que haver a negociação coletiva, por isso temos a nossa convenção coletiva, aliás, a dos metalúrgicos é uma das mais fortes dentro do Estado de SP.

Pensando no futuro do papel Sindicato na vida dos trabalhadores da categoria, quais são os principais desafios que vocês identificam?

Martinha: Eu imagino que o futuro do movimento sindical tem que passar por algumas experiências. Eu penso que é preciso criar o sindicato da indústria, não só indústria metalúrgica, química, tecelagem, mas todas as indústrias ligadas a um determinado Sindicato. O papel da indústria é produzir, transformar, sendo metalúrgica ou plástico. Um carro por exemplo é um mix de produtos. Eu sei que é difícil, cada um vai olhar mais para o seu umbigo, mas temos que evoluir, ou você evolui no debate ou mudam você. Temos que ser propositivos e não reativos. Essa reforma sindical era para ter acontecido lá atrás, dois governos Lula, governo Dilma e como não fizemos, fizeram por nós de qualquer jeito, fizeram nos atacando e agora temos que reformular. Não dá mais para ter tantos Sindicatos, sem função devida na Constituição, sempre tem aproveitadores.

Sapão: Nosso Sindicato chegou no auge de 50 mil trabalhadores, hoje tem 10 mil. Nós temos hoje no Brasil mais de 18 mil sindicatos, é um número absurdo e lembrando que não são apenas de trabalhadores, há cerca de 6.000 patronais e 12 mil dos trabalhadores.

Hoje, se você pegar a indústria metalúrgica quem vai negociar é o sindicato dos metalúrgicos, mas dentro da empresa tem 10, 15 sindicatos representados, tem o da limpeza, o da segurança, do restaurante, enfim, há vários sindicatos. Por isso é importante essa fala do Martinha, sobre começar a pensar em sindicatos mais abrangentes e fortalecidos para que todos os trabalhadores sejam bem representados.

Sapão conduzindo assembleia na Eluma, em 2009
Martinha durante assembleia na Cofap, em 1992.

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